O Conselho de Ética e o Único Dissenso.

Durante os anos em que estive no Conselho de Ética do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), tive uma relação harmônica com meus Pares. Era um presidente democrático. Os Comitês de Integridade e Conformidade tinham liberdade para agir, em respeito ao que preconizava o estatuto. E nunca ninguém me pediu para alterar essa independência, porque eu sempre fui independente e não aceitaria interferências de ninguém.

Desde sua “incepção”, combinamos que nunca haveria voto dissonante nos processos que nos seriam confiados. Estaríamos sempre uníssonos. Isso era ótimo para mim. Meus ínclitos Colegas eram muito melhores que eu. Cada voto que o relator do caso propunha era acatado por mim. E quando a relatoria cabia a mim, o voto proposto também sempre foi respeitado.

E assim foi, exceto uma vez. É o que vou narrar aqui.

Uma atleta havia representado um técnico por assédio sexual. Assunto gravíssimo.

Era um caso rumoroso, delicado, intrincado, de prova difícil e depoimentos que variavam entre emocionados e mesquinhos. Sempre trabalhei muito pelo Conselho. Era um defensor intransigente de suas prerrogativas. Prestava muita atenção. Anotava tudo. Meu compromisso era exclusivamente com a preservação da conduta ética no ambiente olímpico. Sempre que tínhamos casos que envolviam diretamente os atletas, minha orientação é que a Comissão de Atletas do COB indicasse um (a) representante para acompanhar o procedimento do início ao fim. Isso aconteceu em todos os casos em que a presença de representante da Comissão de Atletas se fez necessária.

Pois bem, quando o relator apresentou seu voto ao nosso colegiado, eu discordei. Disse que não assinaria aquela decisão por algumas razões, que expus de maneira lídima. Colegas, insisto, melhores que eu, concordavam comigo.

A punição dada ao acusado, em face das provas que estavam nos autos, estava adequada. Entretanto, a mesma decisão que aplicava pena ao acusado, mais adiante, tecia considerações ao comportamento da vítima, que a expunha de forma desnecessária. A decisão repreendia a postura da vítima. Enumerava aquilo que se achava ser “comportamentos inadequados”, como se isso tivesse dado ensejo ao suposto ato de assédio. A decisão que seria publicada daria uma bela de uma bronca na atleta. Sustentei a opinião de que aquela decisão era juridicamente impossível. Se a suposta vítima figura como autora em uma representação, o máximo que pode acontecer com ela é ter seu pleito indeferido. É processualmente inviável que a autora do processo ético, além de ter seu pleito rechaçado, receba qualquer tipo de condenação. O que estava em discussão não era o comportamento da vítima, mas o do acusado. O que tornava a decisão proposta ainda mais anacrônica era o fato de que o acusado receberia punição regimental. Ou seja, autora é réu eram condenados no mesmo processo.

Além disso, minha percepção é que havia ali alguma influência de preconceito de gênero.

Para fazer curta uma história mais ou menos longa, a decisão somente foi alterada quando um dos membros de nossa plêiade, interferiu diretamente junto ao relator para que modificasse o voto. E assim foi feito.

Essa foi a única vez que houve algum dissenso no Conselho de Ética do COB, enquanto estive lá.

Tudo isso está, claro, devidamente registrado.

Categorias olimpismo

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