JOSÉ TELLES DA CONCEIÇÃO Por Laurete Godoy. Em 1952, José Telles da Conceição, um dos mais versáteis atletas do Brasil, disputouos Jogos Olímpicos de Helsinque e conquistou medalha de bronze no salto em altura. Ele foi o primeiro brasileiro a saltar mais de 2 metros em altura e, também, o primeiro a subir no pódio olímpico para receber medalha no atletismo. Posteriormente, e com igual sucesso, Telles passou a dedicar-se ao decatlo. No dia 19 de outubro de 1974 uma notícia abalou o esporte brasileiro: Telles estava na Praia de Ramos e, ao reagir a um assalto, recebeu o tiro que o matou. A pista sintética do Maracanã seria inaugurada alguns dias depois, e Telles, estava escalado para inaugurá-la. Em 20 de novembro de 2020, José Telles da Conceição foi um dos atletas homenageados pela CBAt, no Dia da Consciência Negra. Hoje, peço licença para compartilhar com os amigos Panathletas a crônica publicada na Gazeta Esportiva, que escrevi há 46 anos, após ouvir a notícia sobre a morte do grande esportista brasileiro. CAMPEÃO, POR QUE VOCÊ REAGIU? Todos esperavam o dia da festa. Ia ser lindo ver o Maracanã no domingo… A pista enfeitada a espera dos visitantes. O velho e negro carvão substituído pelo material novo e sintético. Bandeiras dançando ao ritmo da brisa que visita os estádios em dia de competição. Agasalhos coloridos deslocando-se, tendo como pano de fundo a verde grama, pareceriam flores em movimento em um grande jardim. Velhos amigos encontrando-se após longa ausência, pródigos em abraços alegres guardados há muito a espera do reencontro. Sua entrada seria magistral! Empunhando a tocha olímpica, mais uma vez correria por aquela pista. Não… Você não iria correr. Flutuaria, como sempre o fez. Lembro muito bem! Seus pés mal roçavam o solo, porque conheciam todas as trilhas que deveriam ser percorridas, até o momento em que seu peito seria lançado a frente, em busca da vitória e de mais um recorde. E eles eram todos seus. Você os colecionava. E nas provas com barreiras? Era incrível o que você fazia. Suas pernas elásticas venciam os obstáculos que iam caindo, um a um, a sua passagem. Não… As barreiras não caíam. Colocavam-se de joelhos, rendendo uma homenagem muda. Você era um bólide. No salto em altura não ultrapassava o sarrafo. Lutava contra a Lei da Gravidade e sempre vencia. Você era um balão. No salto em extensão transformava-se em pássaro sem plumas. Era o homem em voo que ganhava o espaço à procura da melhor marca. Era a sua luta contra a distância. Sempre lutando. Você era um forte! A divisa olímpica estava gravada a ferro e fogo no seu coração: “Citius – Altius – Fortius”. Mais rápido – Mais alto – Mais forte. O lugar de honra estava sempre a sua espera. Mas você não era infalível. Nós, que o conhecíamos, sabíamos da sua fraqueza. Como qualquer atleta principiante, sentia e sofria as torturas do “amarelão”. E isso era reconfortante. O grande campeão, o decatleta esguio como o salgueiro, leve como a nuvem, moreno como o jambo, veloz como a flecha, alegre como a esperança, tinha consciência das próprias limitações. No momento da luta você era um forte. Nos momentos que a antecediam, você fraquejava, chegando mesmo a perder a capacidade de reação. … Perder a capacidade de reação… – Campeão, por que você reagiu na noite de ontem? Deveria ter esperado a hora da prova como sempre fez. O apito de advertência, a pista livre, você nos blocos, tenso, todos os sentidos concentrados a espera do tiro, aguardando que o Ivo Salowicz, ou quem sabe o Queiroz, ordenasse: “As suas marcas… Atenção” – aí sim. Aquele estampido familiar, som maravilhoso a libertar as aflições. Explosão do homem procurando superar a si mesmo, buscando a linha de chegada rápido como a luz, em luta renhida contra o cronômetro. Esse sim era o momento de você reagir. O tiro de partida. Tiro de pólvora seca. Imagino que, há vários dias, você estava preparando-se para a festa. Seria um dia especial. Você, o melhor de todos, o maior detentor de recordes atléticos deste Brasil, daria a volta pela pista querida e amiga, recebendo, com alegria e um sorriso olímpico, os aplausos da multidão. – E agora, campeão? Os aplausos transformaram-se em lágrimas, o material novo e sintético não conhecerá a leveza dos seus passos, as bandeiras permanecerão paradas ao som do toque de silencio, os agasalhos coloridos como flores irão compor a mais linda mortalha que o mundo já viu, e os abraços alegres dos velhos amigos transformar-se-ão em soluços de tristeza. – Por que você reagiu na hora errada? O decatleta esguio como o salgueiro caiu ao solo, pesado como o chumbo, pálido como a derrota, lento como a tortura e triste como a morte. – E agora, campeão? Onde estão os seus aplausos? – Ah, “Telão”, por que você reagiu na noite de ontem? Todos esperavam o dia da festa. … Ia ser lindo ver o Maracanã no domingo… Laurete Godoy é panathleta, pesquisadora e escritora |